segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O Palhaço Tristeza





Lembro que com mais ou menos 10 anos tinha ido pra minha cidade um circo. E eu, criança que estava descobrindo um mundo aceitei logo de cara o convite do meu pai de ir conhecer aquele lugar tão novo pra mim.
Era domingo (que mais parecia um sábado). Mas, pouco importava. Lembro que foi lindo, mágico, encantador. O novo se desfazendo bem ali na minha frente, bobo, apático e sem ação ali estava eu tão fascinado por tudo, e foi momento único.
Na outra semana tinha jogo do time de futebol preferido do meu pai, porém, não voltar naquele lugar pra mim seria semi-morte. Mas, convenci o velho pelo cansaço.
E na segunda vez que fui lá. Malabaristas, contorcionistas, mágicos, mulheres barbadas ficaram quase invisíveis depois que vi o palhaço. Ele trazia a essência de todos em seu sorriso, olhar misterioso, seu jeito desengonçado era um pretexto pra fazer qualquer um sorrir.

E a cada semana que passava eu voltava lá só pra esperar o palhaço me fazer sorrir. Conseguir ir algumas vezes sozinho, mesmo sabendo todo o desenrolar do espetáculo fazia questão de estar presente. O fim de semana pra mim era como se fosse encontrar no final do arco-íris um pote recheado de ouro, e de certa forma essa metáfora tinha total e real sentido. Nele via alegria de um mundo tão bom, e me fazia lembrar que a vida é mesmo tão doce e mágica.
Porém, quando começava mais uma semana e eu já eufórico esperando pelo fim dela, eis que chega a triste noticia; Fui avisado por minha mãe que a arena tinha sido desmontada e que tinha ido pra outra cidade bem distante. Minha única reação foi pegar a minha bicicleta e ir até o local que era o circo. Até então tinha sido aquela a sensação mais amarga e triste que em minha pouquíssima idade tinha experimentado. Não lembro se chorei, mas doeu demais.
Fiquei ali por alguns instantes rodeando o acampado já vazio e sombrio sem a tenda que me fazia tão feliz. E por brincadeira do destino encontro no chão, um cartaz de divulgação da trupe. Recortei a foto, guardei pra mim bem dentro do coração e na memória aquele que me dava só o que era bom.

Passaram-se os anos, mudei pra capital, me formei, casei e virei pai de um casal de gêmeos.
Lembro que depois de levar a pé meus filhos até a escola decidir ir por um caminho diferente até o meu trabalho. Depois de alguns minutos de caminhada vi um senhor com a aparência desgastada me devorar com um olhar faminto. Olhei na carteira e dei algumas moedas. Mas, aquele olhar não me era estranho, no primeiro momento eu não reconheci e seguir adiante. Só que a imagem daquele homem ficou grudada na minha mente durante todo o dia, fiquei perguntando por que ele havia me causado tanto impacto. Cheguei à noite em casa e aqueles olhos invadiram meu sono, meu sonho até chegar o dia seguinte. Fui até lá, quis saber quem seria aquele homem que mexeu tanto comigo. Rodei por todo o bairro e não o encontrei. Num lapso de certeza voltei para casa e fui conferir se o senhor tão sofrido seria quem eu tanto procurava.
... E era!
Ele já não tinha mais as cores da alegria no rosto, tinham as cores de uma vida tragada pelo esquecimento e descaso.

Fiquei muito triste comigo mesmo. Quase sair de mim e mais uma vez rumei ao lugar em que o encontrei pela ultima vez. Procurei, procurei até encontrar outro pedinte que com a voz mais soturna do mundo meu deu a infeliz noticia:
Ele morreu ontem... De tristeza!
Minha reação foi um sorriso de nervoso e um pálido "Obrigado”.
Por muito tempo fiquei me questionando como uma pessoa que fez tanta gente sorrir poderia morrer de tristeza?
E a partir dali tomei a decisão de não querer mais entender a vida!




rafA ditos

8 comentários:

  1. Nossa Rafa, muito emocionante mesmo..Sem palavras.
    Bjss.. Parabéns!

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  2. Uau!! Foi como uma mão suave deslizando em minha face...LINDO!
    Besos!

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  3. pra não ficar redundante, nao vou dizer que fiquei sem palavras, aprendi que palavras so bonitas não trazem a verdade, então uma palavra feia para o texto lindo com palavras lindas. PUTA QUE PARIU, CARALHOOOOOOOOOOO.
    desculpa irmão, mais tinha que gritar, como lhe falei, achei que tinha vivido isso. eu escrevo mais não assim com tanta verdade. . .

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  4. rafA, que maravilha a sua sensibilidade!
    É verdade. A vida, com seus mistérios, é difícil de ser entendida.
    Lindíssima história!
    Fiquei emocionada, com a sutileza de suas palavras. Parabéns! Escreva sempre. Adorei.
    Um beijo, Valéria Lopes.

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  5. Apropiando-me de suas palavras, "grandes valores agora são tão poucos"... Penso que a arte de fazer rir, encantar e emocionar as pessoas sem distinção é um dom e com certeza merece eternos aplausos.Parabéns e obrigado por utilizar da sua arte, escrever, para discorrer tão lindas palavras. Contudo reflito... Será que lembro daquele que me trouxe alegria a anos atrás?!?!

    Belíssimo!!!

    Nayara Cruz

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  6. as palavras soam tão simples, mas intensas...Gostei do sentimento que colocou no texto.

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  7. Lindo deeeeemais!
    '..'Deixa eu pintar o meu nariz.'

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